Texto "Sorte sua" que consta do livro "Arrebol", da escritora Maria Montillarez:
Para se viver
como vitorioso tem-se que fazer
parecer fácil. Obstáculos? Ah, você não os viu!
Para o
vitorioso é de bom tom aparentar que obstáculo é coisa de gente fadada ao
insucesso.
Desprezar as dificuldades, até desdenhar delas, deve ser trivialidade.
Tornar-se, portanto, absolutamente alheio às barreiras transpostas, é um tipo
de antídoto. É a explicação da qual se valem certos analistas pós-vitoriosos,
dos porquês doutros vitoriosos procederem sem tombos visíveis.
Tenho outra opinião:
Acreditar nesses idiotas é uma armadilha. Eles têm
a missão de transformar seres humanos em alienados competitivos em demasia. São
capazes de sugar toda sua vitalidade, jovialidade – esqueça a família! –, até
você se tornar inútil, um bagaço de laranja e, se brincar, levam-lhe o bagaço.
Como vitorioso,
quando maliciosamente for inquirido, acerca de quão difícil foi esta ou aquela
batalha, você deve sorrir e dizer que não foi nada, apenas um esquivo aqui, um
deslocar-se ali, e tudo caminhou para onde tinha de ir, como já estava
pré-concebido ao seu inquiridor; que tudo foi obra do acaso, estar no lugar
certo na hora certa... Do contrário, ele vai sim, discordar de você, e
minimizar os seus vastos esforços. Ele não quer mesmo saber o quanto lhe
custou.
Tenho outra opinião:
Ele não se importa com você, nem com os meios. Só
com os fins, os resultados, isto, se forem bons.
Utilizando-se
desse artifício, embora pareça penoso e você desejasse mesmo dar algum bom
exemplo, esqueça. Disfarçar o seu horror ao descaso do outro, lhe doerá menos.
Principalmente, se seu inquiridor for seu melhor amigo, ou seu familiar
preferido, ou (o pior!) seu chefe. Não por maldade dele (será que não?), é
claro, mas porque ele tem a gentil
necessidade de vê-lo como um vencedor, e vencedor não arde, não sangra, não
geme... Já experimentou fingir uma fraqueza? Logo lhe acusarão de estar fazendo
corpo mole. Baseados na sua folha
corrida, esse tipo de acusação não soaria absurda demais? Sim, mas só para
você. Pois ele só quer uma ínfima lacuna para declarar que você deve tudo em
sua vida à sorte. Você é cuzão.
Tenho outra opinião:
Invejosos são trabalhadores, porém, incompetentes
demais para validar qualquer outra pessoa. Alguns, além de invejosos e
incompetentes, são também narcisistas, o que lhes dificulta olhar para além do
próprio umbigo, então, a sina do invejoso – para nosso deleite – é afogarem-se
no próprio merdaral.
É sábio parecer
que não lhe custou parte da saúde, as noites insone em busca de soluções; mãos
e pés calejados... E, já que tudo, em síntese, foi sorte, deve continuar a parecer, de fato. Você tem espírito elevado, espírito de vencedor, e não
polemiza sem motivo, não entra em luta previamente inglória.
Tenho outra opinião:
É da natureza humana a dissensão, o confronto. O
humano que tem possibilidade de expandir seu conhecimento – privilégio de
poucos neste país –, questiona, debate, propõe. Briga como uma onça preta. A
passividade é comportamento dos domados, condicionados. Cuide que sua mente
continue pertencendo a você, não a terceiros. A quem pertence sua mente?
Ser
bem-sucedido é um grande fardo. Sair da merda e andar fora da sarjeta gera
curiosidade, surgem as perguntas. Você começa a pensar que teria sido mais
fácil ocultar-se atrás do pretexto de que não teve êxito em seus intentos,
devido à má sorte e ficar lá, junto
com aqueles que nunca vencem ou não tentam. Quase duvida de si mesmo!
É compreensível
que o nome que dão ao seu esforço e impulso de superação magoe. Porém, é só mais
um dos obstáculos a transpor, um mergulhar em si e descobrir a força que o
eleva, e isso é parte do processo que o torna capaz de realizar feitos
notáveis.
Minha opinião para você, notável:
Erga a cabeça, sacuda os ombros e continue andando.
É contra sua natureza fracassar.
Minha opinião para você, acomodado:
Ao invés de azedar o seu próximo, faça sua própria
sorte. Contrarie sua natureza de escorpião.
Muitas vezes o sortudo ri, de si para si, e conclui que
foi mesmo grande sorte ter êxito, a
despeito das incomensuráveis dificuldades – que o acomodado nunca notou! Quase acredita que essa ave agourenta está
com a razão. Felizmente seu bom senso é parte constituinte de sua matriz de
vencedor. Logo despreza a concepção de sorte
e azar. Cada um faz seu destino: ação e consequência, ou dizendo mais francamente: cada um colhe o que planta.
A sorte, portanto, para o vitorioso, é
exatamente isso. Ser vencedor ostentando a leveza da modéstia, da simplicidade;
trabalhando duro e até sangrando, numa solidão indescritível, mas tão certo
como o horário de verão é uma presepada, terá muita companhia para dividir os
resultados.
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