4 de junho de 2014

Sobre o livro Colar de Pérolas & O Pingente, eu telho a dizer:

[...] Lucinda e Lígia possuíam uma desordem em suas “memórias ancestrais” que eu, Maria Montillarez, vi-me impulsionada a intervir. Colar de Pérolas & O Pingente, fundidos, resultam no que aquelas duas personagens levaram para a arena contemporânea de suas existências. Digladiaram-se com armas da astúcia, da civilidade, do amor, do corpo e d’alma. Sangraram, até que a vida aceitou vê-las prorromperem-se. Não desisti delas; elas também lutaram por mim. Limaram-me na literatura. Parece que eu e elas tivemos alguns entretantos e entrementes: brigas nos bastidores, relutâncias entre deixar, ou não, nascer e crescer personagem ou ideia. Ainda é incerto quem venceu o embate, mas, como mãe das criaturas, espero que hajam sido elas (todas as personagens), para que tenham a eternidade e a juventude que a nós, simples criadores, é negada. Não vá o(a) caro(a) leitor(a), conceber que este livro seja autobiográfico. Sinto que preciso pedir-lhe isso. O que há de mim em Lucinda e Lígia é o que eu jamais desejei que houvesse: inveja. Quisera fossem elas o meu alter ego (que orgulho!); mas não, não são nada do que consegui ser e sou. Elas são tão somente as cinzas de mim, dispersas na claridade quase enevoada de um sótão, que quando chega o inverno, aves sabiamente partem dele e dos arredores em revoada, evitando se sujeitarem às intempéries e escassez de alimento. No frio, eu me deprimo; sinto fome de comer energia humana pura, aí me recolho, fico perigosa para os reais, pois qualquer um pode virar literatura em minhas mãos. Sou catadora de restolhos; recolho gramíneas e com elas pratico a jardinagem literária. Essa é minha tendência. Às vezes nascem-me flores e, às vezes, espinhos. Difícil saber o que vai sair do meu restolho literário. Eu arrisco. Tenho apreciado esse risco no verão, na primavera e no outono também, mas é no inverno que gosto de separar sementes e semear as palavras. Cato materiais no ar; capto a essência que todo criador vê a sua volta. Exploro meus personagens, dou-lhes e tiro tudo. No fim, espero sempre que sobrevivamos, eles e eu, e temos sobrevivido. Embora eu não seja nem ave, nem Lígia, nem Lucinda, é meu jeito de sobreviver ao inverno. As outras estações são apenas estações de apoio intelectual. É sempre no inverno que tenho fome e desejo de partir, junto com os pássaros, em revoada. Às vezes voo, às vezes me acorrento no mundo da ficção. Algumas vezes sonhei ser Lígia, com aquele furacão n’alma (morri de amor por ela!). Ela me sugava as energias até me apagar, como se apaga a um cigarro pela metade, num cinzeiro vagabundo. Lígia era meu ser notívago, que me acordava de madrugada, para me revelar sua lógica indefinível, nas réstias da luz artificial. Ela mandava em mim, dizia o que queria. Fui sua aia. Lucinda se esparramava em mim como ramos de maracujá na calmaria da cerca. Ela era toda inquietação e pureza e flores; a dureza da casca do fruto, tudo destilado no bojo de uma mente nua, a minha. Minha mente despiu-se para conceber Lucinda em toda sua leveza e complexidade de caráter. Lucinda e Lígia carregam de minha pessoa, laivos que se espraiaram no campo da idealização, já que nos instantes da criação, saí de mim para sê-las; elas saíram de mim para existirem em prosa e verso. Somos e não somos matéria. Virei palavras em meu teclado; externo a ele, sou matéria. Isto é o que são esses dois livros em um: cinzas dos meus trinta e cinco anos de idade. Evoluí com essas duas mulheres espectrais, Lucinda e Lígia. Aprendi com elas, e elas comigo. Seremos sempre docentes em fase de troca e, quando o leitor sentir saudades de Maria Montillarez, não me busque em meu túmulo. Busque-me em um livro meu. Lá teremos bons e maus momentos juntos (só nossos) de profunda amizade. Cobrem do meu editor os títulos abaixo, não deem folga a ele. Estão escritos e prontos para me levarem ao encontro de vocês. Por intermédio desses livros deixo o meu labor, o meu carinho, o meu abraço, minha eternidade. Nesta Terra restarão somente duas partes do sangue do meu sangue: meu filho Miguel Luca e meus livros. Se faltarem os livros, lembrem-se de meu Valdir Luca, pois as raízes da árvore de minha existência entranharam-se as dele. Sem ele, talvez minha vida de escritora não houvesse rendido frutos tão doces para vocês degustarem.

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