Aforismo
O
princípio da esperança é a expectativa; o princípio da expectativa é a
probabilidade. Mesmo assim, expectamos o incognoscível, apenas com o fito de
suster-nos de coragem para transportar diariamente a carcaça humana.
Meu
nome é Esperança
Esperança nasceu com
cara de joelho, como todo recém-nascido, segundo a visão
do próprio pai dela.
A mãe não pensava
assim, era uma mulher romântica e enxergava um mundo promissor. Para ela, tudo
vinha floreado, todo bebê era lindo — o seu bebê principalmente —, duendes
existiam e a vida podia ser perfeita — algum dia.
Assim, romântica como
uma poesia, quando recebeu aquele bebê nos braços, sem margem à dúvidas,
deu-lhe o nome de Esperança.
Aquele bebê cresceu,
tornou-se uma garota linda, porém, para contrariedade da mãe, a menina odiava o
nome recebido. Explicava à sua mãe, que a palavra esperança representava expectativa, e quem expecta é porque não tem
o que deseja, está incompleto, sempre no aguardo. Para aumentar a revolta de
Esperança, a televisão começou a veicular uma propaganda cujo teor apregoava
que o nome define quem somos, e isso lançava Esperança em ataques de revolta,
pois se o nome define quem somos, estava mais fixado ainda que Esperança
ficaria eternamente na expectativa dos acontecimentos e nunca se sentiria
completa.
Sua mãe se entristecia
em ver a filha infeliz com o nome que ela lhe dera com tanto amor; seu pai
achava mãe e filha exageradas em seus sentimentos.
Exagerados ou não, os
sentimentos deveriam ser considerados, posto estarem afetando a rotina
harmoniosa da casa. Esperança era filha única, e a insatisfação dela vinha
gerando tão grande mal-estar na família, que quase nem se falavam mais.
No coração de Esperança
a revolta e a tristeza cresciam mais a cada dia. Ela terminou o ensino
secundário e parou de estudar. Devia estar na faculdade, contudo, ficara
desmotivada, perdera a esperança no futuro, já que ele se desenhava como uma
busca eterna e sem êxito.
Um dia, lá do seu
quarto, ouvira alguém dizer à mãe dela:
— Se Esperança vive
deprimida, porque odeia o próprio nome, ela deveria procurar um advogado e
tentar mudá-lo, judicialmente.
Esperança deu um salto
da cama. Seria possível?
Se pôs apresentável e
atravessou a sala feito um foguete. Ouviu longe a voz da mãe perguntando aonde
ela ia naquele galope, mas ela não respondeu. No centro da cidade, o primeiro
escritório em que viu escrito “Advogados”, ela entrou. Passado algum tempo,
saía pela mesma porta que entrara, agora com outro aspecto. Se antes entrara
ali correspondendo ao seu nome, ou seja, expectante, agora ela tinha um
semblante apático. É que por ignorância, Esperança perdera uma lacuna na lei
que lhe dava a possibilidade, e
somente isso, de tentar mudar seu nome ao completar dezoito anos. Agora ela já
havia completado vinte e soubera que nenhum juiz acataria seu pedido de mudança
de nome, porque a lei respalda mudanças em casos cujos nomes causem embaraços, sejam
homônimos, em prejuízo a alguma das partes, não apenas frustrações.
Portanto, Esperança saía
do escritório do advogado, muito triste e com grande sentimento de derrota, lhe
espremendo a alma, e foi cabisbaixa que atravessou a rua.
As palavras, que vinham
como mantra à sua mente, eram de fracasso e correlatas, porque alguém que vai
passar a vida inteira esperando, nunca conhecerá êxito em nada.
De repente, um carro
freou aos seus pés. Ela não se importou; teve apenas um ar de decepção, pois
perdera uma chance de morrer; continuaria esperando pela morte, já que viver
deprimida não era bem uma vida.
Retomou o passo, sem
olhar para o carro. Quando chegou do outro lado, andando sempre devagar e
olhando para o chão, como todo fracassado, alguém tocou seu ombro e lhe chamou
a atenção:
— Moça, você está bem?
— Eu? — Ela perguntou
sem olhar para o dono da voz. — Estou bem. Por quê?
— Quase atropelei você!
— E por que não
atropelou?
— Que tipo de pergunta
é essa? Eu não queria atropelar você! — Ela deu de ombros.
— Por que se jogou
daquele jeito? Está querendo morrer?
— Tanto faz. Morrer,
viver, dá no mesmo.
— Não dá no mesmo não.
Olha pra mim, por favor. — A moça olhou. Era um jovem bonito, devia ter uns vinte
e cinco anos. — O que lhe tirou a vontade de viver?
— Tenho um nome que é
como uma âncora. Nada jamais dará certo em minha vida por causa desse nome.
— Um nome? Você acha
que seu nome determina sua vida?
— Até pouco tempo
atrás, eu apenas achava. Mas, há uns
meses, uma propaganda na TV vem dizendo o tempo inteiro que nosso nome define quem
somos. O que eu pensava virou verdade na voz daquela pessoa da propaganda.
— Como se chama, moça?
— Meu nome é Esperança.
— O meu é Solteiro. —
Ela sorriu ao ouvir o nome dele. — E não serei eternamente solteiro, sabe por
quê? Sou eu que faço meu destino, não o meu nome. Preste atenção nessa
simbologia: há algumas caixas que deverão ser transportadas por um caminhão. Em
algum momento, aquelas caixas serão postas dentro do caminhão e transportadas.
Isso acontece o tempo todo. Você já viu coisas sendo postas dentro de um carro
qualquer para serem transportadas?
— Já, claro.
— Isso se chama
confluência.
— Confluência?
— Exato. É devido à
confluência de fatos, acontecimentos, que não estamos à mercê de, somente, uma
circunstância. Um nome não é suficiente para definir uma vida inteira. Atos,
sim. Quando você se move, cria ondas no espaço ao seu redor. Essas ondas são
ações, e as ações provocam reações.
— Lei de Newton!
— Pois é.
— Pessoas farão aquelas
caixas chegarem àquele caminhão, porque outras pessoas demandaram por aqueles
produtos nas caixas.
— Entendi.
— Para as coisas
acontecerem é bastante que nos movamos, que provoquemos alguma reação. Seu nome
poderá ser movido por você, como aquelas caixas. Ele irá para onde você mandar.
Você definirá o destino do seu nome, não o contrário. Talvez, quando a evocação
desse nome significar uma pessoa de grande relevância social, então ele passa,
em instância apenas conceitual, a definir quem você é.
Esperança sorriu.
Aquilo fez sentido para
ela, porque possuía sentido mesmo, ou por que, ao deter os olhos dentro dos
olhos daquele rapaz, ela sentiu o amor, o desejo de viver sendo imediatamente
acionado em seu coração, que disparava pela primeira vez por um homem?
— Não sei o que dizer,
Solteiro.
— Diga que não quer mais
morrer.
— Algum dia eu quis
morrer?
Agora os dois sorriam.
— Conheço um
restaurante sossegado, logo ali. Que tal almoçarmos juntos e fazermos planos?
Estou solteiro e tenho a Esperança ao meu lado. Acho isso promissor.
— Aceito.
Ele segurou a mãozinha
delicada dela, e saíram andando sorridentes pela rua, a caminho do restaurante,
tagarelando. A esperança renascia em Esperança.
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