8 de junho de 2016

Trecho do livro Otimistas incorrigíveis

Texto "Aforismo" de Maria Montillarez, que consta do livro Otimistas incorrigíveis:


Aforismo



O princípio da esperança é a expectativa; o princípio da expectativa é a probabilidade. Mesmo assim, expectamos o incognoscível, apenas com o fito de suster-nos de coragem para transportar diariamente a carcaça humana.





Meu nome é Esperança

Esperança nasceu com cara de joelho, como todo recém-nascido, segundo a visão
do próprio pai dela.
A mãe não pensava assim, era uma mulher romântica e enxergava um mundo promissor. Para ela, tudo vinha floreado, todo bebê era lindo — o seu bebê principalmente —, duendes existiam e a vida podia ser perfeita — algum dia.
Assim, romântica como uma poesia, quando recebeu aquele bebê nos braços, sem margem à dúvidas, deu-lhe o nome de Esperança.
Aquele bebê cresceu, tornou-se uma garota linda, porém, para contrariedade da mãe, a menina odiava o nome recebido. Explicava à sua mãe, que a palavra esperança representava expectativa, e quem expecta é porque não tem o que deseja, está incompleto, sempre no aguardo. Para aumentar a revolta de Esperança, a televisão começou a veicular uma propaganda cujo teor apregoava que o nome define quem somos, e isso lançava Esperança em ataques de revolta, pois se o nome define quem somos, estava mais fixado ainda que Esperança ficaria eternamente na expectativa dos acontecimentos e nunca se sentiria completa.
Sua mãe se entristecia em ver a filha infeliz com o nome que ela lhe dera com tanto amor; seu pai achava mãe e filha exageradas em seus sentimentos.
Exagerados ou não, os sentimentos deveriam ser considerados, posto estarem afetando a rotina harmoniosa da casa. Esperança era filha única, e a insatisfação dela vinha gerando tão grande mal-estar na família, que quase nem se falavam mais.
No coração de Esperança a revolta e a tristeza cresciam mais a cada dia. Ela terminou o ensino secundário e parou de estudar. Devia estar na faculdade, contudo, ficara desmotivada, perdera a esperança no futuro, já que ele se desenhava como uma busca eterna e sem êxito.
Um dia, lá do seu quarto, ouvira alguém dizer à mãe dela:
— Se Esperança vive deprimida, porque odeia o próprio nome, ela deveria procurar um advogado e tentar mudá-lo, judicialmente.
Esperança deu um salto da cama. Seria possível?
Se pôs apresentável e atravessou a sala feito um foguete. Ouviu longe a voz da mãe perguntando aonde ela ia naquele galope, mas ela não respondeu. No centro da cidade, o primeiro escritório em que viu escrito “Advogados”, ela entrou. Passado algum tempo, saía pela mesma porta que entrara, agora com outro aspecto. Se antes entrara ali correspondendo ao seu nome, ou seja, expectante, agora ela tinha um semblante apático. É que por ignorância, Esperança perdera uma lacuna na lei que lhe dava a possibilidade, e somente isso, de tentar mudar seu nome ao completar dezoito anos. Agora ela já havia completado vinte e soubera que nenhum juiz acataria seu pedido de mudança de nome, porque a lei respalda mudanças em casos cujos nomes causem embaraços, sejam homônimos, em prejuízo a alguma das partes, não apenas frustrações.
Portanto, Esperança saía do escritório do advogado, muito triste e com grande sentimento de derrota, lhe espremendo a alma, e foi cabisbaixa que atravessou a rua.
As palavras, que vinham como mantra à sua mente, eram de fracasso e correlatas, porque alguém que vai passar a vida inteira esperando, nunca conhecerá êxito em nada.
De repente, um carro freou aos seus pés. Ela não se importou; teve apenas um ar de decepção, pois perdera uma chance de morrer; continuaria esperando pela morte, já que viver deprimida não era bem uma vida.
Retomou o passo, sem olhar para o carro. Quando chegou do outro lado, andando sempre devagar e olhando para o chão, como todo fracassado, alguém tocou seu ombro e lhe chamou a atenção:
— Moça, você está bem?
— Eu? — Ela perguntou sem olhar para o dono da voz. — Estou bem. Por quê?
— Quase atropelei você!
— E por que não atropelou?
— Que tipo de pergunta é essa? Eu não queria atropelar você! — Ela deu de ombros.
— Por que se jogou daquele jeito? Está querendo morrer?
— Tanto faz. Morrer, viver, dá no mesmo.
— Não dá no mesmo não. Olha pra mim, por favor. — A moça olhou. Era um jovem bonito, devia ter uns vinte e cinco anos. — O que lhe tirou a vontade de viver?
— Tenho um nome que é como uma âncora. Nada jamais dará certo em minha vida por causa desse nome.
— Um nome? Você acha que seu nome determina sua vida?
— Até pouco tempo atrás, eu apenas achava. Mas, há uns meses, uma propaganda na TV vem dizendo o tempo inteiro que nosso nome define quem somos. O que eu pensava virou verdade na voz daquela pessoa da propaganda.
— Como se chama, moça?
— Meu nome é Esperança.
— O meu é Solteiro. — Ela sorriu ao ouvir o nome dele. — E não serei eternamente solteiro, sabe por quê? Sou eu que faço meu destino, não o meu nome. Preste atenção nessa simbologia: há algumas caixas que deverão ser transportadas por um caminhão. Em algum momento, aquelas caixas serão postas dentro do caminhão e transportadas. Isso acontece o tempo todo. Você já viu coisas sendo postas dentro de um carro qualquer para serem transportadas?
— Já, claro.
— Isso se chama confluência.
— Confluência?
— Exato. É devido à confluência de fatos, acontecimentos, que não estamos à mercê de, somente, uma circunstância. Um nome não é suficiente para definir uma vida inteira. Atos, sim. Quando você se move, cria ondas no espaço ao seu redor. Essas ondas são ações, e as ações provocam reações.
— Lei de Newton!
— Pois é.
— Pessoas farão aquelas caixas chegarem àquele caminhão, porque outras pessoas demandaram por aqueles produtos nas caixas.
— Entendi.
— Para as coisas acontecerem é bastante que nos movamos, que provoquemos alguma reação. Seu nome poderá ser movido por você, como aquelas caixas. Ele irá para onde você mandar. Você definirá o destino do seu nome, não o contrário. Talvez, quando a evocação desse nome significar uma pessoa de grande relevância social, então ele passa, em instância apenas conceitual, a definir quem você é.
Esperança sorriu.
Aquilo fez sentido para ela, porque possuía sentido mesmo, ou por que, ao deter os olhos dentro dos olhos daquele rapaz, ela sentiu o amor, o desejo de viver sendo imediatamente acionado em seu coração, que disparava pela primeira vez por um homem?
— Não sei o que dizer, Solteiro.
— Diga que não quer mais morrer.
— Algum dia eu quis morrer?
Agora os dois sorriam.
— Conheço um restaurante sossegado, logo ali. Que tal almoçarmos juntos e fazermos planos? Estou solteiro e tenho a Esperança ao meu lado. Acho isso promissor.
— Aceito.
Ele segurou a mãozinha delicada dela, e saíram andando sorridentes pela rua, a caminho do restaurante, tagarelando. A esperança renascia em Esperança.

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