1 de junho de 2016

O raio não O partiu, de Maria Montillarez


Trecho do livro: O raio não O partiu, da escritora Maria Montillarez:



Jonathan Mitchell, pai de Irving, fora um inglês bem-sucedido na função de administrar. Ele introduzira Irving a essa prática, desde a infância. Sustentava nisto jazer o essencial do ofício de administrador. Irving compartilhava a assertiva, indo ao topo de afirmar que seu
pai era o melhor, dentre todos os mestres naquele ofício.
Jonathan soubera identificar ótimas oportunidades de fazer fortuna em Formigueiro-Saúva. O que ele construíra em Formigueiro-Saúva e o que Irving deveria construir, com similar grau de dificuldade, nenhuma faculdade de Administração ensinaria.
De fato, Irving tivera tempo de conhecer o mínimo de teoria na área de gestão empresarial, em vista de ter sido obrigado a abandonar o curso superior de Administração de Empresas e fugir de Formigueiro-Saúva, como um bichano infeliz a quem atearam fogo ao rabo.
Havia vinte e seis anos que uma doença passara a consumi-lo e, embora o consumisse lentamente, os sintomas variavam de incômodos simples a quadros rápidos de desidratação; de dores de cabeça a febres altas, além de pormenores que interessariam mais a estudantes de medicina e a hipocondríacos do que ao leitor otimista. Não me dedicarei a explorar os lados mórbidos da moléstia desse homem, senão quando o andar da história reclamar.
  A busca por diagnóstico definitivo, que permitisse a cura de Irving, ou pelo menos a definição de seu estado, persistira vã. Sua filha, Zândika, e o namorado dela, Emanuel — adiante, marido — estudantes de medicina e química, respectivamente, durante os anos em que frequentaram a academia, dedicaram-se a pesquisas acerca de doenças raras. Findas, ambas as graduações, prosseguiram investigando a moléstia de Irving Mitchell, todavia, culminando em repetidos fracassos.
Em vista de se terem decorrido diversos anos sem encontrarem denominação científica para o mal que o assolava, tanto Irving quanto seus entes, deram-se a atribuir o seu quadro inexplicável pela ciência, ao raio que não o partira, evento a ser descrito aqui em ocasião propícia, qual seja, aquela em que as circunstâncias concernentes se forem apresentando.
Haviam transcorrido mais de cinco anos, desde aquela sua fuga humilhante de Formigueiro-Saúva à chegada a Pacheco do Norte e a ocasião em que um raio lhe atingira o crânio.
Fora a partir do evento sinistro com esse fenômeno natural, que ele se tornara suspeito de ser responsável pela saúde degradante de Irving devido, inclusive, a ela se ter revelado frágil, somente meses após o incidente com o raio.
Em Pacheco do Norte Irving recomeçara a vida. Como todo bravo, também ele merece respeito. Às vezes, até para se empreender em uma fuga é requisitado coragem, embora o êxito, em si, dependa de fatores agregados à coragem. Ela, sozinha, é cofre sem dinheiro.
Por isso, Irving fora perfeitamente capaz de constatar a força do sorvedouro contra o qual lutava, que vinha puxando-o para o fundo, se fortalecendo cada vez mais. O sorvedouro era o oponente que, até ali, levara vantagem sobre Irving. Era imprescindível reagir depressa ou fenecer igualmente rápido.
As impressões péssimas que a primeira visão de Pacheco do Norte infundira à alma daquele forasteiro desesperado, às vezes ainda lhe voltavam à mente. Irving carregaria em sua memória, eternamente, a lembrança daquela hora em que entrara no lugarejo e avistara só o arraial e a mata. Ele se revia ajoelhado no meio do asfalto esburacado, no início da Rua Conde Taumaturgo, chorando copiosamente.
O desespero em haver deixado Dély para trás, como tivesse renunciado a si mesmo, queimava-lhe o peito, ardia-lhe os olhos, incendiava-lhe o espírito. Os soluços a sacudirem-no, denotavam o oposto da fraqueza, e bem mais do que dores de saudade. A fortaleza que aquele pranto começava a esculpir em Irving não o protegeria de fenômenos naturais, todavia, forjaria em aço a resistência interior que defenderia as portas de seu coração de qualquer outra mulher que não fosse Dély Alencar.
Os extensos pranto e desespero exteriorizavam o desabafo solitário e importante, para que dele se levantasse o homem obstinado a continuar a criar um milagre naquela vastidão que enxergava no ermo que se estendia a se perder de vista, Pacheco do Norte.
Sua nova vida principiaria com o dinheiro que Dély conseguira retirar de sua conta poupança, ajudada pela mãe dela, Esperança. Irving lembrava-se bem dos argumentos que Dély usara para convencê-lo a aceitar o dinheiro trazido para Pacheco do Norte dentro de um baú de madeira branca e leve:
— Querido, será nosso futuro. Leve-o e viva com ele; faça-o se multiplicar. Você é talentoso; tem o dom de seu pai com finanças. Se instale em Pacheco do Norte. Lá você encontrará uma afilhada de mamãe, neste endereço. O nome dela é Padir. Ela se casou faz pouco, com esse homem que anotei o nome aí: Sotero. Eles serão seu porto seguro. Mamãe faz louvores à Padir. Diz que é de boa família e que você pode confiar nela. Fique com eles e vá vivendo. Um dia, ficaremos juntos, meu amor. Não importa quanto tempo leve pra isso acontecer, tenha fé.


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